O pregador da misericórdia

[PERDOAI  SEREIS PERDOADOS – Lc 6, 36]
5. PREGADOR DA MISERICÓRDIA CRISTÃ
Num asilo de emergência
São Josemaria Escrivá, no período da guerra civil espanhola em que mais violenta foi a perseguição religiosa, refugiou-se na Legação de Honduras de Madrid, e lá permaneceu asilado – com alguns jovens que se contavam entre os primeiros membros  do Opus Dei –  de maio a agosto de 1937. Nessa perseguição, foram martirizados treze bispos, 4.184 padres diocesanos, 2.365 padres e irmãos membros de institutos religiosos,  283 freiras e numerosos leigos católicos. Muitos deles já foram beatificados ou canonizados.
Como acontecia com outros asilos diplomáticos, aquela casa estava atulhada de refugiados. Todos eles, como São Josemaria Escrivá, fugiam de uma perseguição injusta, que punha em risco as suas vidas, além dos bens materiais, a família e a carreira. Tinham motivos de sobra para que neles – com os nervos em frangalhos –, fermentasse um forte ressentimento contra os perseguidores, a revolta contra os responsáveis por tamanho descalabro. E, no entanto, junto do Pe. Escrivá, nada disso havia. Não era coisa natural. Ali havia algo que escapava aos parâmetros humanos habituais: a grandeza do espírito de fé, unido a um incrível espírito de compreensão, convivência e perdão.
O genro do Cônsul declarou, certa vez, que este sacerdote estava «continuamente preocupado pelo que vinha acontecendo, se bem que, ao mesmo tempo, estava muito por cima das circunstâncias …. Nunca se pronunciou com ódio nem com rancor a respeito de ninguém; limitava-se a dizer: “Isto é uma barbaridade, uma tragédia”. Doía-lhe o que se passava, mas sempre dentro de uma perspectiva mais alta. E quando nós celebrávamos vitórias, o Pe. Josemaria permanecia calado».
Diariamente dirigia um tempo de meditação, que fazia juntamente com seus cinco acompanhantes. A sua oração era uma meditação em voz alta, uma pregação em que se fundiam o comentário espiritual e o diálogo direto com Deus.
Transcrevo a seguir trechos de algumas dessas meditações, anotadas, na hora, por um dos presentes – Eduardo Alastrué – , que bastam por si sós como ilustração do espírito de São Josemaria no tempo da guerra:
─ «Dá-me, Senhor – pedia no dia 10 de abril –, a graça da misericórdia, a graça de que eu também seja misericordioso com os outros. Intransigência comigo mesmo, compreensão com os que me rodeiam. Que não julgue, para não ser julgado».
─ «A revolução – dizia em 24 de agosto – surpreendeu-nos absorvidos no nosso trabalho, preocupados unicamente pelo anseio de servir a Deus … Se permanecermos fiéis, será que o Senhor não nos preparará um porvir fecundo; mais ainda se tivermos coberto com o adubo dos nossos sofrimentos o terreno onde há de nascer a colheita? … Assim, crendo e esperando nEle, amando-o com todas as nossas forças, viveremos contentes e cheios de paz, sejam quais forem as circunstâncias que nos rodeiem. Não nos faltará alegria nem no meio da fome, nem sofrendo tantas desconsiderações, nem carecendo de liberdade. Devo confessar que tenho sofrido aqui horrivelmente; mas devo dizer  também que tenho experimentado alegrias muito profundas neste encerramento… Formulemos para hoje um propósito concreto: não nos enraivecermos por nada, nunca nos aborrecermos, aconteça o que acontecer».
─ Em 30 de maio, perguntava: «Queremos ser duros quando Cristo não o é? A sua justiça funde-se com a sua misericórdia e as duas juntas produzem um maravilhoso equilíbrio, cujo dom devemos implorar para nós».
─ «Em vez de nos precipitarmos a julgar o nosso próximo  – são palavras de 20 de junho –, e talvez a condenar duramente, temos de pensar no que seria de nós se tivéssemos estado no ambiente em que viveu o homem que julgamos; se tivéssemos lido os livros que leu; se tivéssemos sentido as paixões que o dominaram. Esta consideração porá no nosso trato com ele a caridade … Não nos basta como exemplo o caso de Paulo que, depois de ter sido perseguidor de cristãos, foi exemplo para todos? Compreensão, pois; essa criatura, que talvez no nosso interior desprezamos e condenamos, quem sabe se, uma vez corrigida, purificada, convertida em espiga sã, não produzirá frutos mais saborosos do que nós?».
 Adaptação de vários trechos do livro de F. Faus “O homem que sabia perdoar” (Ed. Indaiá)

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