Uma experiência da transfiguração no hesicasmo



- Meu amigo, estamos ambos neste momento no Espírito de Deus [...] Por que não queres olhar para mim?

- Não posso olhar para vós, meu Pai, porque vossos olhos projetam clarões; vosso rosto se tornou mais brilhante que o sol e sinto dor nos olhos em vos olhar.

- Não tenhas medo de nada. Neste momento te tornaste tão claro como eu. Também estás agora na plenitude do Espírito de Deus; de outra maneira, não poderias ver-me como me vês.

E, inclinado para mim, ele me disse baixinho ao ouvido:

- Dá graças ao Senhor Deus por sua bondade infinita para conosco. Como observaste, nem mesmo fiz o sinal da cruz; bastou apenas que eu orasse a Deus em pensamento, no meu coração, dizendo interiormente: Senhor, torna-o digno de ver claramente com seus olhos corporais esta descida de teu Espírito, que proporcionas a teus servos, quando te dignas aparecer-lhes na luz magnífica de tua glória. E como podes ver, meu amigo, o Senhor atendeu imediatamente esta oração do humilde Serafim [...] Como devemos ser reconhecidos a Deus por este dom inefável concedido a nós dois! Mesmo os pais do deserto nem sempre tiveram tais manifestações de sua bondade. É que a graça de Deus - como uma mãe cheia de ternura para com seus filhos - dignou-se consolar vosso coração aflito, pela intercessão da própria Mãe de Deus [...] Por que, então, meu amigo, não queres olhar-me direto na face? Olha francamente, sem medo: o Senhor está conosco [...].

Encorajado com estas palavras, olhei e fui tomado de um terror piedoso. Imaginem vocês a face do homem que lhes fala, no meio do sol, no brilho de seus raios escaldantes do meio-dia. Vocês podem ver o movimento de seus lábios, a expressão mutante de seus olhos, podem ouvir sua voz e sentir suas mãos pousarem sobre os ombros de vocês, mas não vêem nem suas mãos, nem o corpo de seu interlocutor - nada além da luz resplandescente que se propaga longe, a algumas toesas ao redor, iluminando com seu brilho o prado coberto de neve e os flocos brancos que não param de cair [...].

E o Padre Serafim me perguntou:

- O que é que sentes?

- Um bem-estar infinito, respondi.

- Mas que tipo de bem-estar? Em que precisamente?

- Sinto uma tal tranquilidade, uma tal paz na minha alma, que não encontro palavras para me exprimir.

- É, meu amigo, a paz da qual falava o Senhor quando disse a seus discípulos: "Eu vos dou a minha paz"; a paz que o mundo não pode dar [...]; "a paz que ultrapassa toda compreensão". O que sentes ainda? 

- Uma alegria infinita no meu coração.

E o Padre Serafim continuou:

- Quando o Espírito de Deus desce sobre o ser humano e o envolve na plenitude de sua presença, então a alma transborda de uma alegria indizível, pois o Espírito Santo cumula de alegria todas as coisas que Ele toca [...] Se as primícias da alegria futura já enchem a nossa alma de uma tal doçura, de uma tal felicidade, que diremos da alegria que espera no Reino celeste todos aqueles que choram aqui na terra? Também tu, meu amigo, também tu choraste no curso de nossa vida terrestre, mas verás a alegria que o Senhor te envia para te consolar desde aqui na terra.

Então esta alegria que sentimos neste momento, parcial e breve, aparecerá em toda a sua plenitude, cumulando nosso ser de delícias inefáveis que ninguém poderá arrebatar-nos.

Colóquios de São Serafim In: Escritos sobre o hesicasmo, uma tradição contemplativa esquecida. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p.116-118.

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