SANTUÁRIO DA ALMA

“O Senhor, porém, está em seu santo templo; diante dele fique em silêncio toda terra” (Hc 2.20)
O texto em referência acima pode ser compreendido de duas maneiras: uma literal e outra em forma de aplicação alegórica. A primeira diz respeito à historicidade de Israel enquanto povo da aliança com Javé. Quando da construção do templo e sua consagração por Salomão Deus havia prometido que ali habitaria. E de fato era o que acontecia, pois, a presença física de Deus, sua nuvem luminosa de glória manifestava-se no local mais restrito do templo, o Santo dos Santos, onde somente o sumo sacerdote uma vez por ano poderia entrar.
Qualquer judeu devoto, para ter um encontro com Deus, teria que se encaminhar até o templo no horário certo, com a oferta e ou sacrifício certo, para ali oferece-lo em adoração. Desta forma, quando em Habacuque lemos essa declaração é exatamente isso que ela queria dizer: que Deus estava literalmente presente numa manifestação física visível e audível naquele lugar feito de tijolos, madeira, ouro e prata. Este é sentido direto e exegético do verso referendado.
Dito isso, também devemos considerar seu sentido aplicativo e alegórico para a vida do cristão. No livro de Atos no Novo Testamento o apóstolo Paulo faz uma declaração bombástica no que concerne a toda a espiritualidade Vetero Testamentária acerca da presença de Deus. O apóstolo afirma no seu discurso aos atenienses no areópago, que Deus não habita em templos feitos por homens. Esta revelação toma corpo de doutrina quando em Coríntios o mesmo Paulo lembra seus leitores de que cada um deles, enquanto indivíduos nascidos de novo em Cristo, são agora santuários do Espírito Santo. Da mesma forma que o Deus que habitou em um templo feito por mãos humanas, agora ele passara a morar em um feito por suas próprias mãos: o corpo de cada crente em Jesus Cristo.
Sendo assim, podemos entender e aplicar o texto de Habacuque como uma alegoria da experiência cristã descrita no Novo Testamento a qual nos referimos acima.
VOLTANDO-NOS PARA O CENTRO
Deus habita no corpo físico de seus servos. Logo, o templo, santificado pela presença do Espírito Santo, onde Deus está é a alma humana. Assim, podemos falar com propriedade de um santuário da alma. Deus agora não habita no exterior, mas, no mundo interior, nosso verdadeiro eu, o novo homem que segundo as Escrituras foi criado em Cristo “em justiça e em santidade provenientes da verdade” (Ef 4.24). Dito isso, podemos inferir a partir daí que, diferentemente da experiência da época de Habacuque, o crente hoje para um encontro com Deus não precisa mais ir a um lugar específico, seja ele qual for. Não precisamos mais buscar Deus do lado de fora. Basta nos voltarmos para dentro de nós, para o nosso interior, o que os místicos denominavam de retornar para o centro, onde Deus habita e nos fala continuamente, ininterruptamente ao coração.  É no santuário da alma, no nosso verdadeiro eu o “lugar” do nosso encontro hoje com Deus. Conforme nosso Senhor, o que nos basta é adentrarmos no nosso quarto, fechar a porta atrás de nós e colocarmo-nos perante a face daquele que nos vê e nos responde em secreto e em segredo: no segredo do santuário invisível de nossa alma.
RECOLHENDO-NOS EM SILÊNCIO
O profeta declara que o fato da presença física de Deus estar no santuário, deveria despertar tamanho assombro e temor, que levasse toda a terra a se silenciar perante essa presença. Podemos ver nesse entendimento literal a aplicação alegórica do caminho místico da oração silenciosa. Precisamos aprender, de uma vez por todas, a silenciar nosso coração se desejamos encontrar a Deus no nosso centro. O simples fato de que Deus está presente em nossa alma nos falando a partir dela continuamente, não significa que o estamos sempre escutando. A grande verdade é que dentro desse santuário inúmeras outras vozes clamam, juntamente com a voz divina, pela nossa atenção. Em muitos momentos o santuário de Deus ao invés de silencioso está ruidoso impedindo-nos  de percebe-lo. Somente quando o barulho do vento, do terremoto e do fogo cessaram é que o profeta Elias pode ter acessa àquele sussurro suave como a brisa da manhã. Necessitamos, com extrema urgência, atender a exortação divina que nos manda aquietarmo-nos  para que possamos saber que somente Ele é Deus.
ORAÇÃO SILENCIOSA
Apesar de parecer algo esquisito para nós por não fazer parte de nossa cultura cristã apressada, a prática da oração silenciosa, de quietude ou simplesmente silêncio tem forte amparo, tanto nas Escrituras quanto na tradição da igreja. É mais simples do que se pode imaginar e ao mesmo tempo muito difícil e complexa. Temendo por minha falta de experiência nesse caminho interior, utilizarei o material que encontrei no site Carmelo da Guarda, o qual passarei a transcrever as partes que achei mais necessárias para elucidar a experiência mística da contemplação através da oração silenciosa ou de quietude.
OS TRÊS SINAIS DO COMEÇO DA EXPERIÊNCIA
“Existem três sinais essenciais, de que a pessoa está a ser chamada à contemplação. A presença destes 3 sinais, assinala , sem equívocos, o início do itinerário contemplativo, místico.
  • PRIMEIRO SINAL – Nada satisfaz a alma e como consequência sente-se atirada para um infinito vazio. As coisas e tudo o que antes lhe “dizia” alguma coisa, já não dizem nada. As formosas realidades de outros tempos são tudo fonte que secou. Deus mesmo se calou: a aridez é a forma atual de sentir o fluxo das coisas e do espírito.
  • SEGUNDO SINAL – Já não se consegue fazer oração meditativa, não se consegue um pensamento, uma reflexão; os afectos que outrora enchiam o coração, são já remota lembrança; agora é a incapacidade que submerge a alma.
  • TERCEIRO SINAL – Este terceiro sinal é o mais importante, porque os outros dois sozinhos podem única e simplesmente indicar tibieza culpável da pessoa. Apesar de tudo quanto sente nos dois sinais anteriores, o orante, com o tempo vai passando neste estado, sente com certa frequência um como que “não sei o que”, uma atração quase imperceptível que o chama ao “fundo” de si mesmo, atração que é como um toque  sumamente delicado. Nesse fundo começa a notar paz, tranquilidade, confiança, ternura; deixou de ter interesse em perceber aspectos parciais e concretos da realidade divina;todo o seu olhar projeta-se inteiro na totalidade da realidade divina.
É necessário que os três sinais coexistam juntos. Neste estado, não aumentam as noções teológicas, mas surge uma nova forma de ver, sentir, conhecer e captar a misericórdia de Deus. Ao aumentar o “sentido de Deus”, a pessoa fica, cada vez mais firmemente orientada para Cristo.
Geralmente o orante entra na oração de quietude depois de um período de persistente aridez com aqueles sinais anteriores indicados, caracterizado pelo desaparecimento das consolações espirituais.
Nesta escuridão e aridez, começa a notar-se  esse “não sei o que” que é a presença amorosa de Deus. À medida que o espírito experimenta a unção desta oração, adquire uma nova experiência de Deus. Aqui exclui-se absolutamente a imposição da meditação. O mais que o orante pode fazer, neste período, é valer-se de uma expressão unitiva, para que o fogo não se apague. porque ao não poder meditar, entra na aridez…caminha cada vez mais para a oração da quietude.
AS TRÊS ETAPAS DA ORAÇÃO DE QUIETUDE
 
Este nível de oração já é união propriamente dita, se bem que imperfeita. Na chamada “Oração de Quietude” podemos distinguir 3 etapas que, percorridas todas elas, podem existir conjuntamente ou isoladamente.
1. ORAÇÃO DE RECOLHIMENTO INFUSO OU PASSIVO – Este nível de oração é a união (incipiente) da inteligência com Deus, o qual, com sua formosura e claridade infinita, atrai, embeleza e interiormente possui, cativa e conforta, enriquecendo-a com os preciosos dons de ciência, conselho e inteligência, mediante os quais a faz penetrar, como de um golpe, nesse mundo superior. Deste modo, unindo-a cada vez mais consigo, mesmo sendo só por uns breves instantes, deixa-a purificada e iluminada.
Diz-nos S. Teresa de Jesus acerca desta oração:
‘A primeira oração que senti, a meu ver, sobrenatural, é um recolhimento interior que se sente na alma”; “Não penseis que isto é adquirido pelo entendimento, procurando pensar que têm dentro de si a Deus, nem pela imaginação, imaginando-o dentro de si’.
 
A este recolhimento infuso ou passivo, costuma preceder – ou às vezes a seguir – uma viva presença de Deus também passiva com a qual a pessoa vem a experimentar em todas as partes uma certa impressão da divina imensidade. 
Ao recolhimento passivo, são associados, como fenômenos parciais ou como simples efeitos, às vezes, uma admiração deleitosa, que dilata a alma e a enche de gozo e de alegria ao descobrir em Deus tanta maravilha de amor, de bondade e de formosura; outras vezes certa suspensão ou um profundo silêncio espiritual, no qual ela fica atônita, absorta, abismada e como que humilhada perante tanta grandeza.
2. ORAÇÃO DE QUIETUDE – Assim chamada pela paz e sossego que dá ao espírito. Diz-nos S. Teresa de Jesus acerca da oração de quietude: 
“A alma está tão satisfeita nesta oração de quietude que a faculdade da vontade deve estar, quase de contínuo, unida Àquele que somente a pode satisfazer.”
Esta oração é a união da vontade com Deus que, como sumo Bem, a atrai energicamente a fim de que somente em Deus encontre o seu repouso. Por momentos – que costumam ser bem curtos – a alma encontra o seu pleno descanso, refrigério e fortaleza, a sua paz e felicidade. Os efeitos deste repouso espiritual, são um grande aumento de saúde espiritual, de paz profunda e alegria serena e grande facilidade para tudo o que é bom, saindo a alma desse repouso muito melhorada e disposta para trabalhar por Deus.
3. SONO DAS POTÊNCIAS (faculdades) –  A este grau de oração, S. teresa chama de ‘sono das potências’, isto é, bloqueamento incipieente das faculdades da alma: inteligência, memória e vontade, sobre as quais atuam as virtudes teologais da fé, esperança e caridade. É a última rampa que conduz à contemplação perfeita, de união.
No recolhimento infuso e na quietude, deus cativa a vontade, mas deixa a liberdade de pensar o que quisermos. Neste (sono das potências – acréscimo meu) Deus vai pressionando a vontade (que é a sede do verdadeiro amor) cada vez com mais força, produzindo-se efeitos de toda a ordem, no espírito e no corpo. Umas vezes sintoniza-se com o impulso divino e daí nasce uma pura alegria e a oração de louvor, outras vezes produzem-se tensões entre a parte do espírito que Deus cativa e a que fica livre, e daí resultam estados que se parecem menos com a oração do que com uma luta longa e penosa, com aspiração cada vez mais forte à união.
Diz S.Teresa que:
‘a alma está a morrer quase totalmente para todas as coisas do mundo e, em troca, está a gozar apenas de Deus’.
 Os sentidos da alma só têm capacidade para se ocuparem de Deus. Aqui se juntam uns «toques de amor» com os quais Deus a vai atraindo poderosamente, preparando-a para a verdadeira união.
As virtudes ficam mais fortes do que na passada Oração de quietude (…). Aqui, a humildade que fica na alma,  é muito maior e muito mais profunda que no passado, porque vê mais claramente que de si não faz nem pouco nem muito, a não ser consentir que o Senhor lhe fizesse mercês e as abraçasse a vontade.”
Toda essa experiência espiritual, jornada mistica,  não transcorre lá ou acolá, mas, bem aqui, dentro de cada um de nós servos e servas de Cristo. Acontece no nosso mundo interior, no santuário de nossa alma. 

https://vidacontemplativa.wordpress.com/2012/04/

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